quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Entrevista: O Ensino do Direito Talmúdico no Brasil


O Ensino do Direito Talmúdico no Brasil 

Rodrigo Freitas Palma (Advogado. Especialista em Relações Internacionais. Especialista em Direito Militar. Mestre em Ciências da Religião. Professor universitário em Brasília-DF). Autor de obras jurídicas tais como “História do Direito” (Editora Saraiva) e “Manual Elementar de Direito Hebraico” (Editora Juruá)



1. Por que o ensino do Direito Talmúdico entre nós, brasileiros, é ainda tão negligenciado?
R: A primeira coisa a ter sempre em mente é que a desconsideração ao estudo do Direito Talmúdico consiste, antes de tudo, num lamentável equívoco de caráter histórico. A presente negligência pode ser explicada em função das terríveis perseguições impostas à nação judaica no decurso de todos os séculos. Deste modo, o preconceito e a discriminação foram dois fatores preponderantes a impedir que os europeus percebessem, durante a longa noite da Idade Média, a riqueza do imenso lastro jurídico deixado pela cultura judaica em seu próprio continente. Por aqui, há que se recordar que o Brasil é a pátria da primeira sinagoga erigida nas Américas e o destino final de incontáveis israelitas de origem sefardita que foram impiedosamente assombrados pelo injuriante e famigerado Édito de Fernão de Aragon (1492). Ademais, é bem verdade que os judeus, do mesmo modo que os romanos, sempre se dedicaram ao trato de questões legais, tendo, inclusive, desenvolvido um sofisticadíssimo processo de hermenêutica. Por último, vale dizer que a base deste sistema filosófico milenar repousa nos sólidos fundamentos éticos que enormemente contribuíram, como uma espécie de legado atemporal, à definitiva construção do Pensamento Ocidental. O resultado desses esforços contínuos, fruto das realidades das comunidades em dispersão, traduziu-se na monumental obra a que chamamos de “Talmude” (Talmud Babli). Infelizmente, deve-se admitir que, na América Latina como um todo, o interesse despertado pelo Direito Talmúdico mostra-se ainda acidental e o Brasil, infelizmente, não constitui uma exceção neste contexto.

2. Quem foram os pioneiros na divulgação do Direito Talmúdico no Brasil?
R: Já correndo o risco de me olvidar de algum nome igualmente importante neste cenário, eu diria que raros são os nomes desses juristas. Todavia, Ze’ev Falk, Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, já esteve entre nós a convite da USP. Os encontros e seminários na dita instituição renderam uma obra específica sobre o tema. O livro em questão, intitulado “Direito Talmúdico”, foi publicado pela Editora Perspectiva no ano de 1988. Do mesmo modo, o Professor Hanina Ben Menachem visitou o país abordando tópicos especiais sobre a matéria. Entre os doutrinadores brasileiros há sempre que se mencionar os nomes de Jacob Dolinger e Isaac Sabbá, os quais, com grande maestria, periodicamente cuidam de fornecer valiosas lições sobre o assunto.
3. Há produção literária suficiente no vernáculo para atender aos eventuais interessados?
R: Comparado a outros países eu diria que não. Entretanto, o interessado no estudo do Direito Talmúdico já pode contar com algumas obras essenciais ao conhecimento da matéria, especialmente se o objetivo é o de realizar uma breve introdução ao tema. No âmbito destas, menciono, por hora, o clássico Mishné Torá, de Maimônides (Editora Imago) e Kitsur Shulchan Aruch, o “Código da Lei Judaica Abreviado” (Editora Maayanot), de R. Shlomo Gantzfried. Como dissemos anteriormente, há também um livro básico intitulado “Direito Talmúdico” de Ze’ev Falk.
4. Quais são as perspectivas para o ensino do Direito Talmúdico no Brasil?
R: Penso que, em tempos de globalização, as perspectivas se mostram bem melhores do que no passado, já que as fronteiras políticas, sociais e culturais entre os povos e nações do planeta se tornaram mais tênues. Ademais, a disciplina em tela, qual seja, o Direito Talmúdico, do ponto de vista doutrinário, sempre se articulou de forma imediata com outras matérias de relevo como o Direito Comparado. Com base nisso, creio ser oportuno dizer que, na nova edição de meu livro intitulado - “História do Direito” – que agora foi publicado pela Editora Saraiva, procurei elencar um tópico específico sobre estas milenares regras e preceitos nascidos nos tempos do escriba Esdras.
5. Então, o estudo do Direito Talmúdico deve ser disseminado?
R: Se na atualidade, a opinião pública no Brasil e no mundo sente, cada vez mais, a necessidade do conhecimento dos aspectos fundamentais caracterizadores do mundo islâmico e de sua Sharia (Direito Muçulmano) espera-se que esta mesma lógica persiga o Direito Talmúdico. Neste ínterim, nossos juristas, independentemente de suas origens, convicções políticas ou religiosas, mas tão somente motivados por um imperativo de ordem cultural, deveriam navegar nas vastidões do “mar” do Talmude, tomando contato, pois, com os preceitos ético-jurídicos fundamentais ensinados, de geração a geração, milênio após milênio, nas comunidades judaicas. O cunho cultural da iniciativa em questão, por si só, seria argumento suficiente para justificá-la.
6. Quais são as maiores dificuldades para o conhecimento do Direito Talmúdico? Do ponto de vista didático-pedagógico, como poderia ser lecionada a matéria?
R: A começar pela terminologia. Muitos estudantes de Direito brasileiros, salvo os de origem judaica e aqueles outros melhor informados, ainda sequer conhecem o significado da terminologia - “Direito Talmúdico” - o que me parece, hodiernamente, algo inaceitável. Daí a crescente importância da História do Direito, onde os interessados podem conseguir maiores informações sobre o tema. Destarte, a dedicação ao assunto requer naturalmente conhecimentos de História de Israel e de Cultura Religiosa Judaica, pois, do contrário, as leis, os costumes e preceitos jurídicos de que falamos, acabarão por perder seu sentido fundamental quando apresentadas ao público comum.

                                                            Foto by Rodrigo Palma - 2011
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7. Onde estão os maiores centros de estudo do Direito Talmúdico no mundo?
R: Em Israel, como não poderia ser diferente, e nos Estados Unidos da América, principalmente. Na América do Sul, destaca-se apenas a Argentina. Na condição de Professor de História do Direito, meu desejo é o de contribuir para a mudança deste paradigma, instigando entre os alunos brasileiros, a consciência sobre a necessidade de realização de maiores pesquisas sobre o assunto. Tenho certeza de que as discussões acadêmicas proporcionadas pelo Direito Talmúdico muito podem colaborar no trato de questões controvertidas relacionadas, principalmente, ao Biodireito, dentre as quais se destaca a clonagem; os transgênicos; as pesquisas com células-tronco, dentre outros temas igualmente relevantes para a opinião pública. 

PALMA, Rodrigo Freitas. Entrevista: O Ensino do Direito Talmúdico no Brasil. In: Revista de Axiologia Jurídica da Faculdade Processus.  Brasília: Processus, 2012, p.202-207. Interview - The Taught of Talmudic Law in Brazil. Rodrigo Freitas Palma

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