Palavras-chave: Forças Armadas Brasileiras, Operações de Paz,
Missões de Paz, MINUSTAH, ONU, capacetes azuis, Conselho de Segurança.
RESUMO: O agravamento das crises mundiais a se intensificar desde o
término da Segunda Grande Guerra, tem levado o Brasil, como um efetivo ator da
sociedade internacional, a assumir, progressivamente, um papel de maior relevo
no cenário global. Destarte, o escopo primeiro a nortear o presente trabalho
resume-se ao trato das questões jurídicas inerentes à participação das Forças
Armadas pátrias na MINUSTAH – a Operação de Paz das Nações Unidas no Haiti.
Assim, procurar-se-á delimitar a competência, bem como, dimensionar as
prerrogativas legais que são próprias ao Conselho de Segurança na condução do
processo de consolidação da paz no mundo.
INTRODUÇÃO
Marco Dormino/Reuters (www.estadao.com.br) - 20/01/2010
Prioritariamente,
convém ressaltar que não traçaremos um esboço histórico acerca de todas as
participações das Forças Armadas brasileiras nas operações de paz das ONU, cujo
marco foi a crise no Canal de Suez em 1956, uma vez que tal estudo demandaria
uma pesquisa bem mais detalhada, o que certamente fugiria dos propósitos de um
artigo científico versado na questão legal da problemática levantada. Optamos,
assim, por nos fixarmos unicamente na dimensão jurídica envolvendo o papel do
Brasil junto a MINUSTAH – as tropas de paz das Nações Unidas no Haiti.
Destarte,
cremos ser útil explicitar o funcionamento e a estrutura orgânica que perfaz a
referida entidade, direcionando o tema para a análise da situação no Haiti sob
o aspecto formal, sem se olvidar, entrementes, de oferecer ao leitor a posição
do assunto em tela, segundo as variáveis legais previstas no ordenamento
jurídico pátrio. Para o logro da iniciativa, mister se fará tratar dos
princípios constitucionais que regem o Brasil nas suas relações externas, bem
como, a Lei Complementar n.97, de 9-6-1999, que delimita o emprego das forças
armadas no contexto das missões de paz orquestradas no seio da ONU. A
necessidade da dedicação a estudos desta natureza já é oportunamente apontada
pelos professores Ângelo Bello Brutus e João Rodrigues Arruda, conforme nota-se
a seguir:
“Apesar dessa trajetória incerta, as operações de paz
têm proliferado no mundo. Diversos países, freqüente ou eventualmente, têm
posto suas forças militares à disposição dos organismos internacionais para a
condução desse tipo de operação. É, portanto, uma matéria atual, que merece ser
estudada e acompanhada em suas evoluções”[1].
Nesse mesmo sentido, na década de oitenta,
cuidava de se pronunciar enfaticamente o embaixador José Carlos Brandi Aleixo:
“Há numerosos
capítulos de livros assim como artigos de periódicos sobre a política externa
do Brasil com respeito à América Latina. Não me consta, porém, a existência de
estudos sistemáticos e abrangentes especificamente sobre o Brasil e a América
Central. O tema ainda não recebeu merecida atenção por parte de pesquisadores
nacionais ou estrangeiros. O crescente desejo do Brasil e da América Central de
diversificar e ampliar seus vínculos exteriores exige um maior conhecimento
mútuo”[2].
Por fim,
no que concerne à necessária consulta aos textos de tratados internacionais,
ressalto que utilizei o excelente compêndio intitulado “Direito Internacional: Estrutura Normativa Internacional”, que foi
organizado por Francisco de A. Maciel Tavares e Alfredo de S. Coutinho Neto, o
qual, em razão da praticidade peculiar ao volume, sempre indico para os meus
alunos de Direito Internacional Público[3].
As Resoluções do Conselho de Segurança, a seu turno, poderão ser conferidas na
versão em inglês do site oficial das Nações Unidas no Brasil ou, ainda, no de
qualquer outro país vinculado à organização.
1.1. A Participação Brasileira nas Operações de
Paz da ONU: Consonância com
Princípios Constitucionais Respectivos ao Estado no Âmbito de suas Relações Internacionais
Princípios Constitucionais Respectivos ao Estado no Âmbito de suas Relações Internacionais
A Carta
Magna de 1988 não se refere, especificamente, ao emprego das Forças Armadas em
missões de paz, entretanto, enuncia desde logo, alguns princípios régios no
âmbito das relações externas do país que asseguram o compromisso oficial do
Estado brasileiro em situações desta natureza[4]. Desde
logo se torna possível perceber que a orientação apontada pelo legislador no
art. 4º, em pelo menos três situações distintas, alcança a dimensão
teórico-doutrinária por hora preconizada, especialmente, quando estabelece o
interesse com relação à defesa da paz (art.4º, VI); à solução pacífica dos
conflitos (art.4º, VII) e a cooperação dos povos para o progresso da humanidade
(art.4º, IX).
Ora, a defesa da paz não é somente o baluarte
arvorado pelo Estado Democrático de Direito, mas um sonho acalentado pela raça
humana desde tempos imemoriais que se projeta, de uma forma inequívoca, nos
dogmas das três grandes religiões monoteístas da história do planeta[5] e
serve de anteparo à construção da matriz de pensamento de filósofos da estirpe
de Immanuel Kant[6].
Sabe-se que
os dois maiores conflitos do século XX praticamente obrigaram a humanidade a
restabelecer novos parâmetros legais para definir os contornos de suas
relações, tendo sempre como objetivo preponderante, a minimização da violência
no mundo. Portanto, entendemos que o compromisso em prol da defesa da paz é uma
obrigação institucionalizada pelo poder público e que esta, certamente,
transcende as fronteiras internas, o que por si só justificaria a participação
das forças armadas nacionais nas missões de paz das Nações Unidas.
O chamado “princípio da
solução pacífica de controvérsias” está profundamente atrelado à “defesa da
paz”. Na lição de Bulos “busca-se com esse princípio estirpar medidas violentas
ou coativas, a fim de garantir a prevalência dos direitos humanos”[7].
Considera-se, assim, que o país rechaça, pelo menos a priori, quaisquer formas de conflitos armados em detrimento do
diálogo e das negociações diretas no campo da diplomacia. É notório que os
Estados que recepcionam uma missão das Nações Unidas normalmente estão sofrendo
violentas convulsões externas em que grupos armados disputam o poder. Os mais
prejudicados neste tipo de situação são os grupos vulneráveis, ou seja, as
mulheres, as crianças e os idosos. Os “capacetes azuis” – de quem falaremos mais
adiante, buscam restaurar o respeito e à dignidade inerente ao gênero humano em
qualquer situação, seja aqui, seja alhures.
A cooperação dos povos para o progresso da
humanidade estabelece uma via de mão dupla, a qual, de certo modo, acaba
por estabelecer uma diretriz de caráter obrigacional para os nacionais do
Estado em relação às gentes de outros países. Outrossim, entende-se que a
cessão de tropas especializadas para as operações das Nações Unidas estariam
contribuindo proficuamente para a consecução destes ideais.
A Lei Complementar
n.97, de 9-6-1999, responsável pela criação do Ministério da Defesa, bem como,
o preparo e emprego das Forças Armadas, finalmente se remete de forma explícita
à participação brasileira nas “missões de paz”, delimitando todos os contornos
legais incidentes nestas situações. Vejamos, em dois momentos, a transcrição do
texto in verbis naquilo que atine ao
assunto:
Art. 11. Compete ao Estado-Maior de Defesa elaborar o
planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de
Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e quanto à atuação de
forças brasileiras em operações de paz, além de outras atribuições que lhe
forem estabelecidas pelo Ministro de Estado da Defesa.
Art. 15. O emprego das Forças
Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e
da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do
Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a
ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:
II - diretamente ao Ministro de Estado da
Defesa, para fim de adestramento, em operações combinadas, ou quando da
participação brasileira em operações de paz;
Uma vez
tratada da questão normativa no plano interno, far-se-á em seguida uma análise
das competências organizacionais no plano do direito público externo, o que se
traduz em essencial para a compreensão das diversas nuances político-jurídicas
responsáveis pela instauração de uma missão de paz das Nações Unidas.
Fonte: João Fellet/BBC - (www.watadao.com.br) - 29/02/2012
1.2. O Papel do Conselho de Segurança das Nações
Unidas na Promoção da Paz e Segurança Internacionais e as Missões de Paz
Herdeira
dos propósitos norteadores da antiga Sociedade das Nações (SDN) nasce em 1945 -
a ONU - uma instituição de caráter universalista calcada no ensejo maior de
combater a beligerância e as misérias que assolam o planeta. Ora, é sabido que
as duas grandes guerras haviam causado um impacto tão devastador entre as
nações envolvidas nos conflitos, que se urgia a necessidade de se remodelar o
cenário político internacional, principalmente, após a frustração com o
fracasso dos intentos da Sociedade das Nações, que não conseguiu impedir a
eclosão de uma nova guerra[8].
As grandes potências da época, apesar das evidentes divergências históricas
fruto de disputas hegemônicas históricas, eram unânimes nas conferências
realizadas, em primar por destacar a necessidade de uma organização
supranacional que tivesse poder para agir em meio às crises mundiais. Assim, foram
criadas as Nações Unidas naquele referido ano, por meio da célebre “Carta de
São Francisco”[9].
A estrutura orgânica da ONU é constituída
pela existência de seis órgãos principais (art.7): a Assembléia Geral, o
Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Secretariado, o Conselho
de Tutela e, finalmente, a Corte Internacional de Justiça[10].
Os cinco primeiros encontram-se sediados na cidade de Nova York, enquanto que o
único órgão judiciário das Nações Unidas localiza-se em Haia, na Holanda. Cada
um desses órgãos tem sua composição própria estabelecida pela Carta.
Em razão da temática a ser versada,
adiantamos desde pronto que nos fixaremos na abordagem das atribuições do
Conselho de Segurança, pois de acordo com o estabelecido na Carta de São
Francisco, incumbe a este órgão tomar todas as medidas que se fizerem necessárias
quando se tratar de ameaça à paz, ruptura da paz e atos de agressão (art.39).
Destarte, cumpre observar que, ao menos no plano jurídico-formal, os Estados
renunciam a iniciativa para instaurar qualquer forma de beligerância, o que não
invalida a licitude da chamada “legitima defesa de Estado”, a que se reporta
abertamente o art.51.
O Conselho de
Segurança das Nações Unidas é composto por quinze membros, sendo cinco deles,
na atual fórmula, permanentes e com o poder de veto (Estados Unidos,
Grã-Bretanha, França, China e Rússia) e dez não-permanentes, ou seja, eleitos a
cada dois anos. Esta configuração originou-se do contexto do pós-guerra. O
quadro é, em linhas gerais, ilustrativo dos países que tiveram uma participação
mais significativa na Segunda Grande Guerra mundial, o que gerou nas últimas
décadas, diversas propostas de reformulação estrutural que ainda tramitam no
seio da ONU.
Nas seis
décadas que assinalam a trajetória das Nações Unidas, coube ora a Assembléia
Geral, ora ao Conselho de Segurança, a tarefa de decidir favoravelmente pelo
envio de tropas sob a bandeira azul da Organização. John Ruggie bem lembra que
a preocupação em torno da criação de uma força militar internacional permeou os
debates na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944[11],
o que não foi suficiente para estabelecer algum consenso sobre os contornos
jurídicos que definiriam essas missões. A primeira força tarefa para a
manutenção de paz foi a UNEF, destacada para controlar a crise no Canal de
Suez, em 1956. Depois vieram outras tantas, sendo algumas delas bem sucedidas e
outras, nem tanto. O entendimento da sociedade internacional e da doutrina
especializada sobre a participação da ONU nos conflitos que eclodem
cotidianamente no mundo é que seu campo de atuação nesta matéria se dá,
basicamente, em três dimensões distintas: a “manutenção da paz” (peace keeping), o “estabelecimento da
paz” (peace keeping) e a “imposição
da paz” (peace enforcement)[12].
Assim sendo,
os chamados “capacetes azuis” ou “boinas azuis” são todos aqueles militares das
mais diversas nacionalidades que se encontram temporariamente à serviço de
determinada missão oficial dirigida pelas Nações Unidas. As designativas acima
listadas que os consagraram aludem à cor da bandeira da ONU. Conforme
oportunamente preceitua o mestre Faibanks Mattos,
““...os capacetes azuis” continuam a fazer parte do
Exército, da Armada ou da Aeronáutica de sua nacionalidade, conservam seu
uniforme, submetem-se, porém, a um comando unificado, e este às diretrizes
políticas, que lhe forem ditadas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembléia
Geral”[13].
É mister que
se diga que a ação da instituição nesses casos está condicionada a aceitação do
Estado do auxílio internacional[14].
A iniciativa sempre irá ocorrer em função de uma necessidade incontestável,
mormente de caráter humanitário ou, ainda, para promover a reestruturação de um
país arrasado ou ameaçado por convulsões internas. O país, em tais situações, normalmente
não possui mais mecanismos institucionais capazes de oferecer mais uma efetiva
proteção aos seus civis. Por isso, não destituídos de senso estão Bohdan T.
Halajczuk e Maria Teresa del R. Moya Dominguez, que consideram as operações
para a manutenção da paz verdadeiras “forças policiais das Nações Unidas”[15].
A
participação da MINUSTAH[16] (United Nations Stabilization Mission in
Haiti) foi regulamentada pelo Conselho de Segurança através de diversas
resoluções específicas. A normatização da missão de paz da ONU no Haiti será
objeto de nosso trato já no próximo tópico.
1.3.
A Base Legal para a Instituição da
MINUSTAH (United Nations Stabilization
Mission in Haiti)
A profunda instabilidade
interna vivenciada pelas instituições estatais do Haiti fez com que o Conselho
de Segurança das Nações Unidas, no uso de suas atribuições primordiais, viesse
a instituir, por meio da Resolução n.1529 (2004), a chamada MIF (Multinational Interin Force). Para
tanto, considerou-se que contexto sócio-político e econômico do país
representava verdadeiramente uma grave ameaça à paz e segurança internacionais,
constituindo, pois, além disso, um perigo iminente ao equilíbrio regional do
Caribe Central.
A MIF,
entretanto, então encabeçada pelos Estados Unidos, nasceu com data para acabar:
a dita resolução previa para a mesma um mandato de apenas três meses, sendo
esta logo substituída em 1° de junho de 2004 pela MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission in
Haiti). Logo em seguida, o Conselho de Segurança aprovaria uma nova diretiva
objetivando tratar da questão sem o tom provisório inicial. Determinou-se,
agora, um programa de ação mais elaborado segundo a conveniência requerida pela
situação em tela, apesar de a Resolução 1542 (2004) estabelecer, a priori, seis
meses para o logro das atividades.
A MINUSTAH, inicialmente, foi
composta não somente por militares (6.7000 homens), mas também, por um número
indeterminado de civis, sendo estes, em grande parte, funcionários
internacionais à serviço da ONU.
Destarte, a
referida entidade, por meio dos conhecidos “capacetes azuis”, deveria
contribuir para o sucesso da transição política do governo central de Bonifácio
Alexandre, que havia assumido a presidência no lugar de Jean-Bertrand Aristide,
agora asilado na África do Sul. Havia a necessidade de se garantir a
incolumidade do corpo diplomático da organização internacional, bem como, a
segurança do povo haitiano, até então, refém de milícias ávidas pelo saque,
rapina e devastação das cidades. Nesse sentido, sabe-se que os desafios seriam,
sem dúvida, gigantescos: com as instituições falidas, o Estado Haitiano carecia
de todo o apoio necessário à sua subsistência, pois o poder de polícia, a esta
altura, era praticamente inexistente. Aos poucos, todavia, passa-se a se
requerer formalmente o empenho do Governo de Transição na consecução de tais
fins. É o que se delimita na Resolução n.1576 (2004) do Conselho de Segurança,
onde se evoca, desde pronto, um apelo à “reconciliação política”, solicitando a
este a pavimentação do caminho que levaria à esperada consolidação do processo
eleitoral em 2005. O Governo de Transição, deste modo, deveria estar inteiramente
comprometido com o combate à impunidade e a defesa dos direitos humanos,
evitando-se, a todo custo, quaisquer violações à liberdade de pensamento[17].
Nesse sentido, o labor da ONU se torna mais aprimorado através da aprovação do
documento em questão, agora com a previsão de uma participação ad hoc de um dos seis principais órgãos
da instituição, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC)[18].
Igualmente, renova-se o mandato da MINUSTAH até junho de 2005.
Entre os dias
13 e 16 de abril de 2005 é enviada pelo Conselho de Segurança uma missão especial
composta por diplomatas de oriundos de diversos países para avaliar a crise no
país. O grupo, in casu, era liderado
pelo Embaixador Ronaldo Mota Sardemberg. Da visitação foi elaborado um
importante relatório sobre a real situação do povo haitiano.
A Resolução
n.1601 (2005), por sua vez, somente cuida de ampliar o mandato da MINUSTAH por
mais 23 dias, ou seja, até 24 de junho de 2005.
A Resolução
n.1608 (2005), por sua vez, estende o mandato da MINUSTAH até 15 de fevereiro
de 2006. Com a eleição realizada, a pretensão da Organização é agora com a
continuidade das políticas de estabilização e fortalecimento das instituições
do país. O contingente militar é ampliado para 7.500 homens e a polícia para
1897 civis. O Conselho de Segurança assevera a necessidade de se suscitar a
conscientização da população sobre o papel da missão de paz da ONU naquele
local. No campo da defesa dos direitos humanos ratifica-se a “tolerância zero”
da instituição a qualquer forma de abuso sexual[19].
Os esforços e a
imprescindibilidade do trabalho da MINUSTAH são elogiados por diversas vezes na
Resolução n.1702 (2006), que determina a presença da missão até, pelo menos, 15
de fevereiro de 2007. Novamente, o contingente é redimensionado: 7.200
militares e 1.951 membros da policia civil. A ONU, pela primeira vez, reconhece
claros avanços no contexto político-social do Haiti, dos quais se torna
emblemático sua readmissão no CARICOM (Comunidade do Caribe). Não obstante a
isso, o documento reafirma que a situação é instável no país, o que a faz
requerer junto aos militares da MINUSTAH, a contribuição de profissionais mais
especializados no combate às gangues urbanas.
Na Resolução n.1743 (2007), a MINUSTAH é
chamada a prosseguir na continuidade dos trabalhos desenvolvidos em estreita
cooperação com a OEA e o CARICOM. O mandato desta é prorrogado para 15 de
outubro de 2007. As Nações Unidas, a seu turno, expressam sua gratidão aos
países que emprestaram tropas à missão e lamenta a perda de vidas daqueles que
tombaram no campo de operações. Insiste em deixar claro que a efetiva
responsabilidade pela manutenção da paz é do governo eleito, bem como, do
próprio povo do Haiti, que deve convir favoravelmente pela concórdia e
integração nacional.
Vale
ressaltar que em nenhum outro documento produzido pelo Conselho de Segurança
até então, percebe-se de modo tão nítido, como o observado no conjunto da
Resolução n.1780 (2007), os louros conquistados pela MINUSTAH. Pela primeira
vez são reconhecidas no plano formal, vitórias reais no âmbito do processo de
democratização do país, das quais a bem sucedida eleição municipal, que contou
inclusive com a participação de mulheres e crianças, é ilustrativa. Foram
notados progressos sensíveis no que concerne à segurança pública (apesar do
reconhecimento da prevalência do tráfico de drogas e armas continuar existindo)
e o respeito ao Estado de Direito. O mandato da MINUSTAH é ampliado até o dia
15 de outubro de 2008.
CONCLUSÃO
Apesar de
autores como Ruggie[20]
reconhecerem explicitamente em seus comentários o retumbante fracasso da
atuação das missões de paz das Nações Unidas em países como a Somália e Bósnia,
sabe-se que o papel desempenhado pela Organização em diversos outros recantos
do mundo e, particularmente no Haiti, objeto deste trabalho, têm sido de
crucial relevo. Nesse contexto insere-se o Brasil, com seu enorme potencial
para contribuir com o elevado desiderato das Nações Unidas em prol da promoção
da paz e segurança internacionais. As críticas que repousam sobre uma eventual
‘fragilidade’ do sistema da ONU podem ser sintetizadas nas palavras do Prof.
Luis Ivani de Amorim Araújo que ressalta o fato de que “a ONU ainda não possui
uma força armada própria e que esteja devidamente preparada para enfrentar
qualquer Estado que ameace a paz mundial”[21].
Sob o viés
puramente jurídico, cremos que o comprometimento direto do país com a solução
das crises mundiais, uma vez inserido no propósito maior das Missões de Paz
orquestradas pela ONU, concorre fatalmente para dinamizar os intentos do
legislador pátrio, fazendo valer no plano real os princípios que nos regem no
âmbito das relações externas.
Cumpre
ressaltar que este engajamento vem de longa data. Já na primeira iniciativa
adotada pela referida Organização, as nossas Forças Armadas legaram ano de
1956, valioso préstimo à solução da crise instaurada na região do Canal de Suez.
A investida brasileira nesta área específica de atuação acabará por se projetar
na doutrina nacional e, na maneira pela qual os juristas comumente se valem
para fazer uma leitura não tão abrangente da missão das Forças Armadas. Na
excelente lição de Ceneviva, confirma-se a tendência ainda simplificadora da
abordagem do assunto entre os publicistas nacionais, o que justifica,
certamente, a produção de novas pesquisas neste âmbito: “O papel das Forças Armadas
é relacionado, na história, com a defesa externa, em caráter predominante e,
suplementarmente, com a ordem interna”[22]. Não
obstante a isso, muitas vezes, negligencia-se o seguinte fato muito bem
lembrado pelo diplomata Antonio de Aguiar Patriota:
“O fato de o
Brasil se haver situado em anos recentes entre os dez maiores contribuintes de
tropas para as operações de paz e ser lembrado por observadores independentes
como possível membro permanente em um Conselho de Segurança ampliado apenas
reforçam um perfil de credibilidade na esfera de atuação do CSNU. O
investimento de capital diplomático e – cada vez mais – de apoio militar na
preservação e no fortalecimento do sistema multilateral de proteção da paz e
segurança internacionais acaba por fazer com que
sua vitalidade e legitimidade constituam, em suma, um objetivo de interesse
nacional...”[23].
Portanto, eis
uma boa oportunidade para trazer o tema à baila, já que entre os próprios
constitucionalistas brasileiros, como dissemos anteriormente, a questão ainda é
debatida de forma extremamente exígua. Com a natural projeção do Brasil no
cenário mundial e sua profícua contribuição à MINUSTAH, a questão,
necessariamente, deverá perpassar também as discussões no orbe do direito.
BIBLIOGRAFIA
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2. ALEIXO, José Carlos Brandi. O Brasil e a América Central. Brasília: Centro de Documentação e
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5. BRUTUS, Ângelo Bello e ARRUDA, João Rodrigues. Direito Constitucional Militar e Direito Disciplinar Militar. Rio de
Janeiro: Fundação Trompowsky/Universidade Castelo Branco/CESDIM, 2008.
6. BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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Constitucional Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
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del R. Derecho Internacional Público.
3 ed. Buenos Aires: Ediar Sociedade Anónima Editora, 1999.
9. OLIVEIROS LITRENTO. A Ordem Internacional
Contemporânea: Um Estudo da Soberania em Mudança. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
10. PATRIOTA, Antonio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo: A articulação de um
novo paradigma de Segurança Coletiva. Brasília: Instituto Rio Branco, 1998.
11. RUGGIE, John
Gerard. Constructing the World Policy:
Essays on International Institutionalization. London/New York: Routledge, 1998.
12. TAVARES,
Francisco de A. Maciel e COUTINHO NETO, Alfredo. Direito Internacional: Estrutura Normativa Internacional: Tratados
e Convenções. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
[1]
BRUTUS, Ângelo Bello e ARRUDA, João Rodrigues. Direito Constitucional
Militar e Direito Disciplinar Militar. Rio de Janeiro: Fundação
Trompowsky/Universidade Castelo Branco/CESDIM, 2008, p.40.
[2]
ALEIXO, José Carlos Brandi. O Brasil e a
América Central. Brasília: Centro de Documentação e Informação da Câmara
dos Deputados – Comissão de Relações Exteriores, 1984, p.9.
[3]
TAVARES, Francisco de A. Maciel e COUTINHO NETO, Alfredo. Direito Internacional: Estrutura Normativa Internacional: Tratados
e Convenções. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
[4] Consoante a redação do Art.142 “as Forças Armadas,
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se
à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem”.
[5] As
três grandes religiões monoteístas da história da humanidade são, segundo a
ordem cronológica que estabeleceu seu surgimento, o Judaísmo, o Cristianismo e
o Islamismo.
[6]
Refiro-me à monumental obra “A Paz Perpétua”.
[7]BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p.401.
[8]
Nesse mesmo sentido, veja-se a abalizada opinião de Maurice Bertrand,
ex-funcionário das Nações Unidas: “Como sabemos, essa magnífica estrutura ficou
completamente em estilhaços. Após um período de ilusões que durou apenas uma
dezena de anos, a Sociedade das Nações entrou na era dos fracassos. É fácil
verificar que os sucessos são limitados a questões menores que dizem respeito a
pequenos Estados e situam-se todos antes de 1935. A partir dos anos 30, o
fracasso é permanente nas questões em que as grandes potências estão
implicadas: em 1931, o Japão invade a Manchúria; em 1935 a Itália conquista a
Etiópia; em 1938, a Alemanha avança na conquista dos países vizinhos – Áustria,
Tchecoslováquia, Polônia – depois de ter anulado várias disposições do Tratado
de Versalhes; e em abril de 1939, a Itália invade a Albânia. Paralelamente, os
trabalhos sobre o desarmamento tinham fracassado. A Segunda Grande Guerra
Mundial marcará sua falência definitiva. Portanto, estava sendo perfeitamente
demonstrado que o entendimento entre os grandes não podia durar eternamente;
que a segurança coletiva deixava de funcionar desde que se tratasse de
desacordos entre eles; que o Tribunal de Justiça não tinha o direito de abordar
desavenças políticas; e que a cooperação econômica e social, tal como era
praticada, não era suficiente para criar um clima de paz. BERTRAND, Maurice. A ONU. Trad. Guilherme João de Freitas
Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p.28. Oliveiros Litrento, por sua vez,
salienta sem sua análise alguns pontos positivos na trajetória da extinta LDN:
“Através da antiga Liga das Nações,
que se propôs a fiscalizar e deter a política de força de certos Estados, que
se excederam na concepção do Estado-nação, e passaram a imperialistas,
julgando-se sem compromissos com a sociedade internacional, a segurança coletiva, associando Estados
fiéis àqueles compromissos, impôs o princípio de que “a violação de um compromisso importa na obrigação de repará-lo”.
Assim, é necessário, através da segurança coletiva, que a comunidade
internacional organizada, por meio de órgãos adequados, aplique sanções ao
Estado infrator ou delinqüente. E somente uma aliança de nações, reunindo
Estados poderosos, pode impor sanções ao Estado infrator, geralmente também
poderoso, sem nenhum respeito às regras internacionais comumente aceitas pelas
nações civilizadas do mundo. Este era o objetivo principal da extinta Liga das Nações. Hoje, da Organização das Nações Unidas, ainda que parcialmente ineficaz em face da
inoperosidade do Conselho de Segurança. OLIVEIROS
LITRENTO. A Ordem Internacional Contemporânea: Um Estudo da Soberania em
Mudança. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p.69-70.
[9] Os
artigos mencionados no corpo deste tópico dizem respeito à Carta de São
Francisco.
[10]
No presente trabalho admoesta-se que nos resignaremos ao esboço de um quadro
que represente, unicamente, as funções do Conselho de Segurança, órgão este
mais diretamente vinculado ao assunto ao qual nos propusemos tratar no presente
artigo.
[11] RUGGIE, John Gerard. Constructing the World Policy: Essays
on International Institutionalization. London/New York: Routledge, 1998, p.241.
[12] A
esse respeito veja os comentários de BERTRAND, Maurice. A ONU. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1995, p. 63-6 e também os comentários de BRUTUS, Ângelo Bello e ARRUDA,
João Rodrigues. Direito Constitucional Militar e Direito
Disciplinar Militar. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky/Universidade
Castelo Branco/CESDIM, 2008, p.47-9.
[13] BELFORT DE MATTOS, José Dalmo
Fairbanks. Manual de
Direito Internacional Público. São Paulo: EDUC/Saraiva, 1979, p.234.
[14] Como
bem esclarece Fairbanks Mattos: “Tem-se entendido que a localização das tropas
das Nações Unidas, em operações preventivas, em determinado território não
priva o Estado respectivo de seus direitos soberanos sobre o solo. E que ele
pode exigir, a qualquer tempo, a sua retirada, caso julgue inoportuna a
presença de contingentes onuanos”. BELFORT DE MATTOS, José Dalmo Fairbanks. Manual de Direito Internacional Público.
São Paulo: EDUC/Saraiva, 1979, p.235.
[15]
HALAJCZUK, Bohdan T. e MOYA DOMINGUEZ, Maria Teresa del R. Derecho Internacional Público. 3 ed. Buenos Aires: Ediar Sociedade
Anónima Editora, 1999, p.700.
[16]
Eis a listagem dos países que contribuíram com seus contingentes militares para
formação da MINUSTAH: Argentina, Benin, Brasil, Burkina Faso, Camarões, Canadá,
República Centro-Africana, Tchad, Chile, China, Colômbia, Costa do Marfim,
Croácia, Congo, Egito, El Salvador, França, Granada, Guiné, Itália, Jordânia,
Madagascar, Mali, Nepal, Nigéria, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Romênia,
Rússia, Ruanda, Senegal, Servia, Espanha, Sri Lanka, Turquia, Estados Unidos,
Uruguai e Iêmen.
[17] A
Resolução n.1576 (2004) do Conselho de Segurança demonstra uma clara
preocupação com eventuais prisões políticas que estariam ocorrendo no país.
[18]
As atribuições e a composição do Conselho Econômico e Social estão definidas
entre os artigos 61 e 72 da Carta de São Francisco (1945).
[19] A
Resolução n.1608 (2005) utiliza esta mesma expressão.
[20] RUGGIE, John Gerard. Constructing the World Policy: Essays
on International Institutionalization. London/New York: Routledge, 1998,
p.241.-255.
[21] ARAÚJO,
Luis Ivani de. Das Organizações
Internacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.51.
[22] CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p.324.
[23]
PATRIOTA, Antonio de Aguiar. O Conselho
de Segurança após a Guerra do Golfo: A articulação de um novo paradigma de
Segurança Coletiva. Brasília: Instituto Rio Branco, 1998, p.190.
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