(Entrevista concedida ao Jornal Gazeta do Povo de Curitiba-PR em 12 de Abril de 2010. A matéria em questão tratava da opinião de diversos juristas sobre a condenação e morte de Cristo. Ei-la aqui na íntegra).
1. É verdadeira a sentença de Jesus Cristo que corre pela internet (que estaria no Archivo General de Simancas, na Espanha)? Esse documento existe, de fato?
R: Ao documento em questão, não se pode conceder qualquer crédito histórico,
apesar de a dita “sentença” ter alcançado, hodiernamente, enorme popularidade e
repercussão, graças à ampla veiculação recebida na rede mundial de computadores.
Muito provavelmente, este texto fantasioso não passa de uma falsificação
grosseira elaborada na Idade Média, não obstante o fato de que muitos círculos
religiosos católicos a têm por verdadeira “relíquia”. É fato que jamais
encontraremos a sentença condenatória de Jesus pelo simples motivo de que a peça
em tela não foi escrita. À época, não se imaginavam as implicações que o evento
em si teria. Ademais, não era praxe romana fazer este tipo de registro numa
província distante, onde milhares eram condenados regularmente por afrontar o
império. A sentença de Cristo, na verdade, seguiu o curso normal de um
procedimento típico inerente ao Direito Romano chamado de
extra-ordinem, onde o magistrado se vale apenas da oralidade ao decidir
e são dispensadas maiores formalidades legais. Ora, este quadro era
perfeitamente plausível, principalmente, porque o réu não era romano.
2. Qual é a relevância do estudo do julgamento de Cristo para o desenvolvimento do
Direito de hoje?
2. Qual é a relevância do estudo do julgamento de Cristo para o desenvolvimento do
Direito de hoje?
R: Procuro sempre ressaltar aos meus alunos das faculdades de Direito de
Brasília nas quais leciono sobre a atualidade e importância da discussão acerca
do julgamento de Jesus Cristo, pelo simples fato de que, do ponto de vista
histórico, jamais qualquer outra condenação trouxe tantas conseqüências para a
humanidade. Se a partir do Calvário nasce uma nova religião (o maior credo
monoteísta de que se tem notícia, diga-se de passagem), não é menos verdade que
milhares de inocentes foram perseguidos e massacrados mundo afora durante a
longa e tenebrosa noite da Idade Média.
3. Que lições é possível se tirar desse julgamento histórico
para
o Direito e a Justiça?
o Direito e a Justiça?
R: Creio que muitas. A principal delas e, sempre atual, é a de que os
poderosos, independentemente da época em que vivem, são capazes de tudo para
‘torcer o juízo’ a fim de se beneficiar de decisões equivocadas e
irresponsáveis.
4. Qual foi o embasamento jurídico para a condenação de Cristo?
R: Os romanos, notórios cultores do direito, somente poderiam condenar Jesus à morte tendo por base um fundamento legal. Os Evangelhos omitem este detalhe em função do fato de que o objetivo maior de seus autores não era, propriamente, o de rechear a narrativa de elementos jurídicos, mas antes, o de convencer as pessoas de que aquele galileu era, de fato, o “Messias de Israel” e “Filho de Deus”. A chamada “Lex Julia Maiestatis”, datada do ano 8 a.C., estabelecia, em síntese, a condenação à morte a todos aqueles que se insurgissem contra Roma ou a figura do imperador, ainda que Jesus não fosse digno de tais acusações. Os crimes, in casu, eram a “sedição” e a “lesa-majestade”. Isto fica bem claro quando se considera a tentativa de descrição do delito na tábua colocada logo acima da cabeça do nazareno, que, sem embargo às variantes apresentadas no Novo Testamento, traz a inscrição “Jesus de Nazaré é o Rei dos Judeus” em três idiomas: latim, grego e hebraico. Nestas circunstâncias, duas são as penas previstas na legislação romana, uma acessória e a outra principal, ou seja, respectivamente, a flagelação e a crucificação.
5. Quais nulidades podem ser apontadas em relação ao julgamento?
R: Na verdade, dois são os “julgamentos de Cristo”. Isto porque os romanos permitiam que nas terras conquistadas, jurisdições locais continuassem a exercer suas funções para assuntos internos, desde que estes não tivessem relação direta com os interesses do império. Deste modo, Jesus, depois de preso, é levado ao Sanhedrin (Sinédrio), a mais alta corte judaica da época. O tribunal era composto por 71 anciãos, ainda que jamais saibamos quantos juízes/sacerdotes julgaram a Cristo. Ao que parece, Jesus foi considerado culpado por ter admitido ser o “Bar Eloh Ha Chai” , que em aramaico quer dizer “O Filho do Deus Vivo”. A pena a ser aplicada, nestes casos em que a “blasfêmia” ficava “configurada” pela Lei Hebraica, era a morte por lapidação (apedrejamento). Creio que os saduceus, a elite aristocrática da Judéia ocupada não queria, entretanto, que aquele “interrogatório” ao qual Cristo foi submetido fosse considerado, de fato, um “julgamento”, por uma mera questão política: o receio de que a multidão que aclamou a Jesus na entrada triunfal em Jerusalém como “O Rei de Israel” e, portanto, “O Messias”, (como sugerem as expressões “Filho do Homem” e “Ben David”), se insurgisse violentamente contra os tais. Ademais, a maneira como foi conduzido o caso atestava isso, pois de acordo com a Lei Oral Hebraica (Halaká), Jesus não poderia ter sido julgado durante o Pessach (Páscoa) – a mais importante festa judaica. Igualmente, mesmo que condenado num período anterior ao festejo, não poderia ser executado no momento de sua celebração. Também não poderia ter sido julgado fora das dependências do Sanhedrin: havia um lugar destinado para isto chamado de “Câmara das Pedras Talhadas”. A alternativa para que os saduceus, escribas e fariseus evitassem quaisquer implicações com a morte de alguém tão popular seria submetê-lo à jurisdição romana, que na Judéia estava representada pelo Procurador Pôncio Pilatos.
6. É possível notar no julgamento de Cristo duas forças relacionadas fundamentais à condenação de Jesus: a política e o clamor popular. Afinal, Pilatos cede à pressão de tais forças, correto?
4. Qual foi o embasamento jurídico para a condenação de Cristo?
R: Os romanos, notórios cultores do direito, somente poderiam condenar Jesus à morte tendo por base um fundamento legal. Os Evangelhos omitem este detalhe em função do fato de que o objetivo maior de seus autores não era, propriamente, o de rechear a narrativa de elementos jurídicos, mas antes, o de convencer as pessoas de que aquele galileu era, de fato, o “Messias de Israel” e “Filho de Deus”. A chamada “Lex Julia Maiestatis”, datada do ano 8 a.C., estabelecia, em síntese, a condenação à morte a todos aqueles que se insurgissem contra Roma ou a figura do imperador, ainda que Jesus não fosse digno de tais acusações. Os crimes, in casu, eram a “sedição” e a “lesa-majestade”. Isto fica bem claro quando se considera a tentativa de descrição do delito na tábua colocada logo acima da cabeça do nazareno, que, sem embargo às variantes apresentadas no Novo Testamento, traz a inscrição “Jesus de Nazaré é o Rei dos Judeus” em três idiomas: latim, grego e hebraico. Nestas circunstâncias, duas são as penas previstas na legislação romana, uma acessória e a outra principal, ou seja, respectivamente, a flagelação e a crucificação.
5. Quais nulidades podem ser apontadas em relação ao julgamento?
R: Na verdade, dois são os “julgamentos de Cristo”. Isto porque os romanos permitiam que nas terras conquistadas, jurisdições locais continuassem a exercer suas funções para assuntos internos, desde que estes não tivessem relação direta com os interesses do império. Deste modo, Jesus, depois de preso, é levado ao Sanhedrin (Sinédrio), a mais alta corte judaica da época. O tribunal era composto por 71 anciãos, ainda que jamais saibamos quantos juízes/sacerdotes julgaram a Cristo. Ao que parece, Jesus foi considerado culpado por ter admitido ser o “Bar Eloh Ha Chai” , que em aramaico quer dizer “O Filho do Deus Vivo”. A pena a ser aplicada, nestes casos em que a “blasfêmia” ficava “configurada” pela Lei Hebraica, era a morte por lapidação (apedrejamento). Creio que os saduceus, a elite aristocrática da Judéia ocupada não queria, entretanto, que aquele “interrogatório” ao qual Cristo foi submetido fosse considerado, de fato, um “julgamento”, por uma mera questão política: o receio de que a multidão que aclamou a Jesus na entrada triunfal em Jerusalém como “O Rei de Israel” e, portanto, “O Messias”, (como sugerem as expressões “Filho do Homem” e “Ben David”), se insurgisse violentamente contra os tais. Ademais, a maneira como foi conduzido o caso atestava isso, pois de acordo com a Lei Oral Hebraica (Halaká), Jesus não poderia ter sido julgado durante o Pessach (Páscoa) – a mais importante festa judaica. Igualmente, mesmo que condenado num período anterior ao festejo, não poderia ser executado no momento de sua celebração. Também não poderia ter sido julgado fora das dependências do Sanhedrin: havia um lugar destinado para isto chamado de “Câmara das Pedras Talhadas”. A alternativa para que os saduceus, escribas e fariseus evitassem quaisquer implicações com a morte de alguém tão popular seria submetê-lo à jurisdição romana, que na Judéia estava representada pelo Procurador Pôncio Pilatos.
6. É possível notar no julgamento de Cristo duas forças relacionadas fundamentais à condenação de Jesus: a política e o clamor popular. Afinal, Pilatos cede à pressão de tais forças, correto?
R: É bem verdade que Pilatos não queria se indispor com a população presente
na ocasião. Mas quem eram estas pessoas? Os evangelistas dão a impressão de que
Jesus entrou em Jerusalém acompanhado de uma “multidão” e, ao mesmo tempo, foi
condenado por uma “multidão”. Esta aparente contradição estaria a revelar que a
“multidão” havia mudado de idéia num período tão curto (4 dias) sobre a missão
de Jesus de Nazaré? É evidente que não. Ocorre que aqui estamos lidando com
“multidões” distintas. A “multidão” que condena Jesus e prefere a Barrabás é
constituída pelos saduceus (e seus familiares), pelos fariseus da Escola de
Shammai, pelos escribas e pelos comerciantes de animais (e seus dependentes) que
foram lesados pela ação enérgica de Jesus nos átrios do Templo. E os partidários
de Jesus? Onde estavam? Dormiam sem saber que Cristo havia sido preso na
madrugada anterior. Os únicos que poderiam insuflar os ânimos dos
correligionários de Jesus, ou seja - os apóstolos - haviam fugido por receio de
serem associados ao seu mestre. Quando os seguidores de Cristo acordam naquela
que seria conhecida como a “Sexta-Feira da Paixão”, já era tarde demais: Cristo
já estava sendo açoitado e preparava-se para a consumação de seu martírio final.
Só lhe restava acompanhá-lo com pesar e profundo lamento até o Gólgota, “o lugar
da caveira”. Pilatos, que não queria tumultos, já que uma de suas principais
funções era justamente essa, a da “pacificação da província”, simplesmente
atende ao desiderato dos presentes naquele momento, porém, não sem antes “lavar
as mãos”, para deixar claro que “não tinha nada a ver com aquilo”.
7. Fazendo um exercício de imaginação, como Cristo seria julgado
hoje, pela Justiça brasileira? Ele correria o risco de ser condenado (claro que
não à morte) mesmo sem ter feito nada que justificasse a medida?
R: Difícil falar, pois o julgamento de Cristo deve ser compreendido no âmbito
de um contexto histórico específico. Todavia, vale ressaltar que nenhum povo em
particular pode ser considerado responsável pela condenação e morte de Jesus.
Infelizmente, a ignorância quanto a isso gerou violências indizíveis contra a
nação judaica, pavimentando, assim, o caminho percorrido pelo anti-semitismo
através dos séculos. Sabe-se, igualmente, que fanáticos religiosos movidos por
uma sanha arrebatadora foram os algozes de milhares de pessoas, que tragicamente
padeceram humilhadas por uma perseguição atroz que alcançaria a Europa e o
mundo.
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